Há pessoas que têm o hábito de anotar o que leem para não se perder na memória frases ou passagens interessantes. Incluo-me nessa categoria. As passagens que vou citar não são fofocas, pelo contrário, são fatos colhidos nas próprias obras do autor e, portanto, estão aí para quem quiser ler. Hoje escolhi alguns livros de Virginia Woolf porque conheço bem praticamente tudo que escreveu. Vamos a algumas passagens inusitadas de seus textos onde ela expende variadas opiniões sobre esta ou aquela pessoa, sobre este ou aquele livro.
Na época em que ela estava no auge, foi publicado um livro comentadíssimo de Joyce, que causou sensação. Tratava-se de Ulisses, que prendeu a atenção do mundo culto. Que será que Virginia achou da coqueluche do momento? "Joyce mostra o interior de seu romance. Ulisses apresenta a vida de um homem em 16 circunstâncias todas ocorridas (acho eu) em um dia. Ulisses, segundo Joyce é a maior personalidade da história. Joyce, como homem não tem importância alguma (...) parece-me um pouco com (Bernard) Shaw, enfadonho, egocêntrico e perfeitamente seguro de si." Por aí já se nota um vislumbre do que ela vai achar do romance, o que, aliás, não é lisonjeiro:
"Acabei de ler Ulisses e acho que não é nenhum chabu. Genialidade tem, acho eu, mas não de primeira água. O livro é prolixo. E insuportável. É pretensioso. É vulgar, não só no sentido, é óbvio, mas também no sentido literário." Eu acho que Virginia não está muito longe do que eu também penso, mas a avaliação dela tem mais peso que a minha. E só para terminar o assunto sobre Joyce e seu livro: "comprei o livro e li-o aqui no verão acho com espasmos de espanto, de descoberta, e depois de novo, de longos períodos de profundo tédio." Pronto! Esta selada a sua opinião sobre Ulisses.
Não é segredo que ela manteve uma longa amizade-amor com Vita Sackeville-West. Amizade que terminou não com briga, mas como fruto maduro. Como Vita teria dito que não iria a Londres antes de ir para a Grécia, Virginia magoou-se entrou no carro e partiu, ouvindo a voz de Vita, chamando-a. Mas, Virginia partiu pensando em Vita: "ela está muito gorda, indolente, a vitalidade perdida, agora sem interesse por livros, não tem escrito poemas, só se interessa por cães, flores..."
Virginia parece não ter muita paciência com certo tipo de pessoas. Não demonstra simpatia pela sogra que viria passar o final de semana em sua casa, o que a aborreceria porque não poderia falar sobre o que gostaria. "É como conversar com uma criança --- diz ela ----, além disso uma criança com "suscetibilidades", uma criança com "direitos" e uma noção de decoro e decência e do que se deve dizer ou fazer".
Ela também não deixa passar em branco algumas palavras sobre a escritora Katherine Mansfield, que acabara de falecer. Diz que tinha inveja dela, de sua literatura --- a única literatura que ela disse ter tido inveja na vida. "Em sua literatura eu via, talvez por inveja, todas as virtudes que me desagradavam".
Essa instigante escritora sempre se fez acompanhar de uma inquietude, de um fastio, de uma insatisfação próprias dos transtornos mentais que sempre a acompanharam. Ela escreve: "Pego Proust depois do jantar e o ponho de lado. Este é o pior período de todos. Põe-me suicida. Parece que nada resta fazer Tudo parece insípido e inútil. Agora vou observar e ver de que modo ressuscito."
Virginia não estava bem. Ela comete o suicídio enchendo de pedra os bolsos de seu casacão, entra no rio Ouse, até desaparecer. Ainda no dia 24/3/1941 há anotações em seus diários. No dia 27, por insistência do esposo vão a Brighton para consultar uma médica e amiga. Na manhã seguinte ela se afoga no rio. Para entender sua literatura é necessário conhecer sua vida, seus problemas, sua personalidade.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP